Começando Mal
1
- Eu te detesto! gritou Cris Miller, olhando-se no espelho do
closet.
Com um gemido de gata ferida ela enrolou a toalha de "praia e jogou-a
no espelho, observando como ele
distorcia sua imagem de magricela.
- Cris, querida? veio do corredor uma voz aguda. Voltou tão
depressa da praia?
- Sim, tia Marta, disse Cris, pegando uma escova e fingindo
desembaraçar seu longo cabelo castanho.
Sua tia era uma mulher esbelta e elegante, com cerca de
quarenta anos de idade. Abrindo a porta do quarto de hóspedes, ela olhou em
volta e perguntou:
- Que barulheira foi essa, querida? Com quem estava falando?
- Com ninguém. Só estava pensando alto, respondeu Cris
calmamente, tentando abafar o vulcão de emoções prestes a explodir.
- Por que você não está na praia, meu bem? O dia está
maravilhoso e você fica aí, trancada nesse quarto, falando sozinha! Marta
apontou para a porta de modo teatral.
- Você devia estar lá fora se bronzeando! Aprenda a
surfar! Divirta-se!
A garota mordia o lábio, sem resposta.
- Você está na Califórnia! Viva um pouco! Nós não trouxemos
você lá do Wisconsin para passar o verão enfurnada no quarto. Saia e procure
fazer amizade com o pessoal aí.
De repente o vulcão interno explodiu, jorrando palavras e
lágrimas.
- Eu tentei, tá bem?! engasgou Cris. Tentei me enturmar
com a galera na praia, mas são todos uns esnobes! Não os suporto! Eles são
mal-educados e maldosos. Riram de mim.
Dizendo isso ela cobriu o rosto com as mãos; as lágrimas
escorriam entre os dedos.
- Eu não imaginava! disse a tia, mudando o tom de voz e
conduzindo Cris à beira da cama.
- Senta, querida. Diga-me o que está acontecendo.
Cris levou alguns minutos para se recompor e dizer:
- Eu não tenho nada a ver com as pessoas daqui. Elas me
acham careta.
- E você é? desafiou a tia.
- Sou o quê?
- Careta.
A garota não respondeu. Ficou olhando sua imagem
refletida no espelho, do outro lado do quarto.
- E então? insistiu Marta.
Cris pulou da cama e colocou-se de pé diante dela.
- Olhe pra mim, tia. Eu sou branca como um picolé de coco, e
meu corpo é reto como uma tábua! Se isso não é uma tremenda caretice na praia
de Newport, não sei o que é!
- Ora Cris, repreendeu Marta, um picolé de coco?
- Olhe pra mim, insistiu Cris, esticando os braços para
mostrar seu metro e setenta, com cinquenta quilos de peso. O maio inteiriço
cobria seu corpo de Olívia Palito como um esparadrapo verde-cheguei.
- Diga que eu não pareço um picolé!
- Você não parece um picolé, respondeu a tia.
- Você só está dizendo isso para me consolar, disse Cris, sentando-se
no chão e cruzando os braços.
- Ora, vamos, Cris. Talvez você demore um pouco para
florescer, mas é um encanto de menina e tem um potencial tremendo.
- Ah é? Vá dizer isso para os surfistas lá na praia. Os que
iram de mim e disseram: "Oi, gatinha! Onde você arranjou essa vagem com
alças? Num catálogo de compras?"
Marta parecia confusa.
- E o que eles queriam dizer com isso?
- Estavam se referindo ao meu maio, tia Marta!
Cris deixou as lágrimas correr e fungou alto.
- E isso aborreceu você? Um comentário bobo sobre um
"maio que parece vagem"?
- Não. Você não entendeu? Eu comprei mesmo num catálogo de
compras!
A garota cobriu o rosto com as mãos e chorou até as lágrimas
escorrerem pelos braços. O tipo de choro que vem do fundo do estômago e traz
consigo uma forte dor de cabeça. O tipo que a pessoa fungar e urrar, e por mais
que se sinta idiota e tente parar, não consegue.
- Por favor, acalme-se, querida. Não é tão ruim assim. Podemos
comprar-lhe um maio novo hoje mesmo.
Cris respirava meio ofegante, tentando relaxar. A tia
aproveitava a oportunidade para reforçar uma idéia que vinha defendo?
- É exatamente por isso que eu disse à sua mãe que queria ir
você passasse o verão conosco. Você merece mais do que seus pais podem lhe dar
no momento. Gostaria muito de oferecer-lhe mais oportunidades do que sua mãe e
eu tivemos.
Cris limpou o nariz com as costas da mão.
- Use isso, por favor, disse Marta, entregando-lhe um lenço
de papel. Como eu estava dizendo, meu alvo nestas férias é proporcionar a você
algumas das melhores coisas da vida. Quero também ensinar-lhe, Cristina Juliet
Miller, a ser mais autoconfiante.
A moça piscou e tentou segurar um forte arroto que surgira em
consequência do choro. Tarde demais. O som embaraçoso, embora abafado, saiu sem
querer.
- É, parece que não vai ser fácil, hein, querida?
- Desculpe, respondeu Cris, sentindo uma vontade
incontrolável de rir. Você tem certeza de que conseguirá transformar um picolé
arrotante numa pessoa autoconfiante? Pode ser perigoso!
Ao dizer isso, caiu na risada, mas a tia continuou séria.
- Começaremos amanhã, Cristina. Vou tentar marcar às nove
horas com uma especialista para escolher suas cores. Depois iremos comprar
umas roupas novas pra você.
Imediatamente a moça ficou séria.
- Tia, eu não trouxe quase nada de dinheiro.
- Não seja tola! É um presente meu. Não são umas simples
roupinhas que vão me deixar pobre. E mais uma coisa: precisamos cortar seu
cabelo. Um estilo curtinho, bem na moda. Meu cabeleireiro, Maurice, faz um
trabalho divino. No fim, você vai se sentir e parecer outra pessoa.
Ela falou com tanta fineza que Cris quase acreditou. Um novo
guarda-roupa? Novo corte de cabelo? E o que ela queria dizer com "escolher
suas cores"?
- Por que você não toma um banho e se arruma, meu bem? Seu
tio ainda não sabe, mas ele vai levá-la para jantar hoje à noite, e depois
vocês irão ao cinema, anunciou Marta ao sair.
Cris aproximou-se do espelho com uma nova perspectiva.
Segurou o longo cabelo castanho no alto da cabeça, e fez diversas poses,
tentando imaginar como ficaria de cabelo curto. Mas não dava para visualizar
muito bem a mudança.
Queria que Paula estivesse ali com ela. Paula, sua melhor
amiga, sempre lhe dava conselhos quando estava diante de grandes decisões. Mas
a amiga também tinha lá suas falhas. Afinal, fora ela que a ajudara a escolher
aquele maio verde!
Cris franziu o nariz e chegou o rosto bem perto do espelho
para ver se havia novas manchas na pele. Nenhum cravo ou espinha, mas as
bochechas estavam coradas demais. Além disso, o nariz vermelho e os olhos
inchados revelavam sua choradeira.
- Meus olhos são totalmente sem graça, murmurou. Não são
azuis, nem verdes. São uma espécie de nada, como tudo em mim.
- Posso entrar? perguntou o tio Bob, diante da porta entreaberta.
Imediatamente ela soltou o cabelo e afastou-se do espelho,
envergonhada por ter sido vista em meio a esse auto-exame aborrecido.
- Parece que nós iremos ao cinema hoje. Você quer assistir a
algum filme em especial? perguntou, observando-a sorridente. Ele estava usando
um quepe branco e, a julgar pelas marcas de suor em sua camiseta, parecia estar
voltando do campo de golfe.
- Não, respondeu a moça.
- Tudo bem. Vou dar uma olhada no jornal para ver o que está
em cartaz. Sua tia não gosta muito de cinema. Espero que você não se importe se
formos só nós dois.
- Não.
- Vamos sair daqui a uma hora, está bem?
- Tudo bem.
- A propósito, disse ele, tirando o quepe e limpando a
testa. Ainda não lhe disse, mas estou muito contente por você ter vindo passar
as férias conosco. Você é minha sobrinha predileta, sabia?
- Também; sou a única!
- Detalhe de mínima importância, minha cara, mínimo detalhe,
brincou ele, saindo e fechando polidamente a porta.
Com um suspiro, Cris jogou-se sobre a cama. Não sentia
vontade de tomar banho e não ia demorar para se trocar. Como tinha uma hora
livre, resolveu escrever à Paula. Gostava de escrever, principalmente quando
estava preocupada. Colocaria tudo no papel e, então, quando relesse, seria como
olhar para os próprios pensamentos num espelho. As idéias saíam claras no
papel, mais do que quando tentava falar. Pegou a caixa de papel de carta com
ursinhos e começou a escrever.
Querida Paula,
Como estão as coisas aí na fazenda? A viagem de avião foi
divertida no começo, mas depois ficou chata.
Não vi nenhum artista de cinema no aeroporto, mas guardei
seu bloco para pegar alguns autógrafos, caso eu encontre alguém famoso.
Lembra quando você telefonou quinta passada e eu lhe disse
que não podia conversar? É porque meus pais estavam me dando o maior sermão
sobre minha viagem para cá. Me fizeram prometer que nestas férias eu não faria
nada de que pudesse me arrepender mais tarde. Você acredita?
O engraçado é que a única coisa da qual me arrependo é ter
vindo para cá. Detesto este lugar! Não há nada para fazer, e todo mundo é tão
metido! É uma chatice. À noite fico sentada, vendo televisão com meu tio.
Pelo menos uma coisa boa vai acontecer. Amanhã minha tia vai
me levar para fazer compras e, sabe o que mais? Provavelmente vou cortar o
cabelo! Você acredita?
Estou com um pouco de medo, mas acho que ela quer me dar uma
nova imagem, ou algo parecido.
Bem, tenho de parar agora. Na próxima carta contarei como foi
a grande transformação. Imagine só, talvez você nem me reconheça quando eu
descer do avião, em setembro! Acho bom você me escrever!
Com carinho,
Cris
Fonte: Livro Promessa de verão. Série Cris. Robin Jones Gunn
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